É mesmo o fim das redes sociais?

Um dos anseios mais fundamentais do ser humano é conexão.

Já nascemos buscando uma mãe, um pai, um núcleo familiar e, mais pra frente, queremos mais — o bairro, a cidade, o país e até o mundo. Entramos em cada novo espaço tentando saciar essa fome de conexão.

Mas conexão, historicamente, nunca foi simples de se estabelecer. Caso precisasse falar com uma pessoa, tinha que mover seu corpo até o lugar onde ela estivesse. Era frente a frente ou nada. No século vinte isso melhorou um pouco por meio das transmissões de rádio e TV ou até por telefone. Era caro, mas era possível entrar em contato. No entanto, foi dos anos 90 pra cá, com a popularização da internet, que a coisa mudou de figura pra valer. Ficou fácil.

De refúgio a prisão

Eu estava lá. Talvez não tenha sentado no camarote, mas peguei uma boa vista para a evolução da internet. Eu era um molecote entusiasmado quando descobri serviços como Geocities e HPG, onde dava para criar suas próprias páginas e publicar online. Do meu computador com Windows, eu aprendi HTML e CSS, criei meu próprio template e publiquei meus primeiros posts no Blogger. Era incrível soltar algo online e conversar com as pessoas.

Quando ainda nem fazia ideia do que o futuro me reservava, eu postava fotos duvidosas com textos curtos no Fotolog. Virei rato de fóruns e comunidades do Orkut, via e escrevia sobre RPG, card games, mangás e todo tipo de nerdice. Como bom adolescente virgem e introspectivo, eu me sentia seguro com as telas como escudo.

Com o tempo, as velhas plataformas deram lugar ao Facebook e Instagram. Veio o botão de seguir, a timeline, o algoritmo. Cada avanço trazia novas possibilidades para se conectar.

Lembro bem de pensar durante um tempo que, tendo internet, dava perfeitamente para manter vínculos, mesmo à distância. Acredito que não tenha sido só eu.

À medida que o tempo online foi aumentando, também se sedimentou uma preocupação em manter uma persona na vitrine das redes sociais. Foi como se todo mundo vestisse sua roupa de domingo para ir à igreja, só que nesse espaço virtual. Esse embelezamento da persona é uma parte normal da maneira como o ser humano interage — afinal, quem quer ser mal visto, né? —, mas se tornou uma base do convívio, influenciando todas as esferas da nossa vida.

Então, se antes você se arrumava pra tirar umas fotinhas, de repente, se vê redecorando a casa e comprando toneladas de roupa — porque ninguém vai te amar se as coisas ao seu redor não se parecerem com um mural do Pinterest.

Empresas como a Meta, por meio de produtos como o Instagram, incentivam esses comportamentos. Criam plataformas cujo objetivo é capturar a atenção das pessoas, usando de todo tipo de gatilho psicológico e social para gerar tanta dependência quanto for possível. De repente, existe todo um ecossistema do qual você precisa fazer parte — ou paga o preço do isolamento.

O Brasil é um lugar onde esse trabalho foi feito com extrema eficácia. O brasileiro passa em média 9 horas online. Dessas, aproximadamente 3,5 horas são de consumo de conteúdo em redes sociais.

De alguma forma, ficou mais fácil sacar o celular do bolso do que conversar com quem está na mesma casa. Quem nunca ouviu uma história onde uma pessoa está no quarto e fala pelo WhatsApp com quem está na cozinha?

A conta chega

O peso do scroll infinito se faz notar estatisticamente. Dos 36,9% dos brasileiros que passaram 3 horas ou mais por dia nas redes sociais, 43,5% possuem diagnóstico de ansiedade. Como se não bastasse a quantidade exorbitante de tempo diário com a cara enterrada em telas, esse hábito também tem um impacto na saúde mental das pessoas. Enquanto a tela desliza para cima, o que não falta são gatilhos para comparação, para consumo e para o medo — a cada clique, uma avalanche de vídeos, posts e notícias que moldam uma visão de mundo binária e apavorada, manipulando até a nossa forma de votar.

De uns anos pra cá, é bastante comum ouvir sobre artistas famosos deixando as redes sociais, impactados em sua saúde mental — nem que seja para uma detox temporária. Mas, no nível mais gente-como-a-gente, também podemos observar um movimento nessa direção.

Um discurso recorrente, na crítica às redes sociais do ponto de vista de artistas, é sobre como a fome do algoritmo obriga uma produção de conteúdo fora do razoável e afasta do principal: fazer arte. O tempo que se passa consumindo e criando posts, vídeos e fotos na promessa de encontrar uma audiência soterra o espaço da produção artística. Confesso que, às vezes, queima minha pele pensar em tudo que eu poderia ter criado se colocasse minhas quase 4 horas diárias de redes sociais naquilo que realmente amo.

Ao mesmo tempo, uma parte enorme da minha vida como produtor de conteúdo não existiria sem Facebook, Instagram, TikTok, etc. De uma certa forma, sem esses espaços, talvez, eu não estivesse aqui agora falando com você.

Não dá para negar que houve um tempo no qual a troca até fazia sentido. Era possível usar o Instagram, por exemplo, para conhecer pessoas, construir uma audiência, sustentar um negócio. Muita gente fez isso, de artistas independentes a donos de restaurantes. Perdi a conta de quantas vezes ouvi frases como “hoje em dia ninguém precisa de site, seu portfólio é o Instagram”.

Como eu, muita gente entrou por essa porta da necessidade de conectar. As redes sociais eram uma maneira de continuar sabendo o que seus colegas de escola estavam fazendo. Eram uma forma de lembrar de familiares distantes ou daquela pessoa que você conheceu numa viagem.

A grosso modo, o produto oferecia um canal de conversa e um mural de atualizações sobre as suas pessoas queridas — além do eventual meme ou foto do almoço.

Mas, agora, a situação mudou bastante. Encontrar um amigo ou público pro seu negócio, não é uma tarefa simples. Você atira no escuro todos os dias até, eventualmente, pegar alguma coisa. É quase uma loteria. O objetivo é fazer você chegar a uma conclusão: investir seu dinheiro para conseguir alcance.

Então, você faz o que precisa e começa a sua estratégia de marketing com tráfego pago, só para perceber que quanto mais investe, mais caro fica para obter algum resultado.

Pois é, talvez essa história seja familiar, mas saiba que não é só você.

A casa sempre ganha.

Na rodinha do hamster

Para quem não sabe, o algoritmo funciona mais ou menos assim. Seu pobre post passa por ciclos de disparo para camadas cada vez mais externas da sua rede. Primeiro a plataforma manda para as pessoas que mais interagem com você, depois pra um segundo círculo que interage um pouco menos, depois para pessoas que visualizam mas não interagem e assim por diante. Caso você reprove em algum desses testes, seu conteúdo é freado.

Mas mesmo sendo bem sucedido, um post de Instagram tem um ciclo de vida de, aproximadamente, 21 horas. Depois, ele está condenado à invisibilidade, provavelmente sendo visto só por um ou outro ser mais curioso que role o seu feed para conhecer mais do seu trabalho. Comportamento esse que não é incentivado pela plataforma — eles não querem legado, querem novidade.

Tem também o fato de que a competição gigantesca por espaço nesse ambiente faz com que a qualidade da produção precise ser enorme ou você tem ainda menos chance. E produzir conteúdo, ao contrário do que muita gente pensa, dá um trabalhão. Um reels de um minuto consome horas de trabalho.

Caso você ganhe a loteria da viralização, aí a história é um pouco diferente. Mas ainda assim, demanda produzir dentro de uma caixinha muito específica, coisa que nem todo mundo está disposto a fazer.

Entrar no Instagram (ou TikTok, que seja), traz cada vez mais uma sensação profunda de desperdício. E mesmo falando do aspecto profissional, não sou o único hamster na rodinha apontando que a gaiola está pegando fogo.

Em resumo, como audiência, eu sinto que não recebo muito em troca da minha atenção. E como criador a conta simplesmente não fecha.

Então, qual o sentido de passar minhas preciosas horas criativas para alimentar um espaço que não me oferece visibilidade e, quando oferece, vai esconder meu trabalho no dia seguinte?

Um vislumbre do futuro

E é claro que os bilionários, donos dessas plataformas, sabem que a lua de mel acabou — eles decidiram isso, afinal de contas. O próximo passo é encerrar a relação com os criadores e artistas de uma vez por todas.

Já começou. Podemos observar, por exemplo, pelo plano do Spotify de gerar playlists com inteligência artificial, cortando metade da equipe de curadores da folha de pagamento. Eles também já decidiram não mais banir músicas geradas por IA. Ninguém precisa ser muito esperto pra entender que o próximo passo é gerar suas próprias músicas e cortar os músicos da equação, pegando 100% dos lucros.

Lembrando que o que acontece com uma dessas plataformas, pouco tempo depois acontece com a outra. Ou seja, se esses experimentos forem lucrativos, assim também vai ser com TikTok, Instagram, Youtube, etc.

A questão é que quando (e se) chegar nesse ponto, essas redes vão ter removido qualquer componente social que uma vez tiveram. O algoritmo vai ter deixado de ser um curador e vai se tornar o próprio criador de conteúdo. Estaremos ainda mais passivos, interagindo com as telas que, agora sim, serão apenas telas, sem ninguém do outro lado. Vamos dar like, comentar e conversar com os ecos do que um dia criamos e que, daqui pra frente, vão alimentar as IAs.

Agora, sendo bem sincero. Bilionários criando formas de lucrar, independente de quem derrubam no caminho não me surpreende. O que me assusta é ver que as pessoas, de um modo geral, não parecem se preocupar ou sequer ver a diferença entre a “arte” gerada por IA e a que foi criada por humanos com desejo genuíno de compartilhar experiências e processar emoções.

Eu me pergunto se paramos de sentir os efeitos da conexão humana a tal ponto que nos contentamos com a mera imitação regurgitada por uma máquina. Será que a conexão genuína perdeu importância? Será que temos que ressignificar o que significa criar arte? Ou será que simplesmente não compreendemos o impacto de remover o toque humano das coisas?

Não sei, de verdade. Não sei nem se essas são as perguntas certas.

Mas a discussão vai longe.

O Substack nesse bolo todo

Eu gosto do Substack. Por ter sua principal entrega via e-mail, ele tem esse apelo de ser um espaço fora da dinâmica histérica, acelerada e superficial que os algoritmos geram.

Mas não podemos esquecer que a lógica de redes sociais ainda está impregnada por aqui. Temos o Notes, por exemplo, um produto dentro da plataforma que surgiu em meio à crise do X/Twitter, tentando preencher o espaço de “grande praça pública online”.

Se antes tinha um clima de produzir no seu próprio ritmo, com o Notes vem a pressão nem tão sutil de acelerar-para-ser-visto. Agora temos seguidores (não só a base de e-mails), mensagens diretas, um algoritmo e até um ensaio de alcance que indica que no futuro, talvez seus e-mails não sejam mais entregues na totalidade.

De repente, me pego reagindo como se estivesse numa crise de Estresse Pós-Traumático. Em meio aos flashbacks, calculo se vale a pena passar meu tempo escrevendo posts como esse. Eu me questiono se é aqui que vou encontrar o que busco.

Vejo muitos colegas escritores comentando sobre como se sentem em relação ao Substack. Às vezes, parece que essa plataforma realmente oferece um oásis, mas será mesmo?

Hoje, não sei. Como artista, carrego comigo a ânsia de conhecer e ver quem goste do que eu faço. Eu quero me sentir visto, ouvido, tanto quanto qualquer um. Em algum nível recebo isso no Substack, não nego.

Mas depois de ver tantos ciclos de produto nesse mar bilionário que é o mercado de tecnologia, fico em dúvida sobre a nossa capacidade de julgar a direção para onde o capitalismo invariavelmente nos leva. É fácil nos deixarmos seduzir quando temos um gostinho daquilo que queremos.

Além disso, sinto que tem um aspecto bem profundo nisso tudo. Será que as plataformas/redes sociais podem mesmo preencher esse buraco? Ou será que, ao contrário, elas nos anestesiam ao ponto de não sentirmos mais o que é a conexão real?

Um violinista do Titanic

No final das contas, concluo o óbvio. Conexão mesmo acontece ao tocar a pele e olhar no olho. Ao conversar frente a frente. Ao sentir a presença, mesmo no silêncio.

Quando estou com uma pessoa, posso pegar a sutileza da linguagem corporal. Posso aguardar a fala dela sem me atropelar por causa da latência do Zoom. Posso ver o que ela não mostra, mesmo que ela tente esconder. E, com isso, posso optar por estabelecer pontes duradouras.

No mundo real, um conflito não necessariamente precisa terminar em bloqueio ou cancelamento. Posso ver seus dias ruins, você pode dizer o que não quer, e pode até liberar um mal humor, porque eu sei que isso não é o todo.

Sempre fui mais do tipo introspectivo, meio esquisito, meio alienígena. Então, era e é difícil eu me sentir parte. Mas graças à internet, durante algum tempo consegui encontrar pessoas como eu. Talvez por isso, hoje eu me distancie das redes sociais. Pra mim, elas não são mais um espaço de acolhimento.

Como já falei lá atrás, existiu um tempo de ingenuidade, no qual nós tínhamos isso em alguma medida. Agora, os sinais estão aí para quem quiser ver.

No que diz respeito a mim, sobra seguir como um violinista do Titanic. Não consigo parar de criar e buscar conexão. Eu gosto de autenticidade e sinceridade. Sou meio tímido, meio rabugento, mas quando boto a cara no mundo, quero ver gente de verdade. Dispenso ser empacotado por algoritmos, robôs e OKRs de empresas bilionárias.

Então, é certo que vou continuar procurando gente bagunçada como eu pra sermos esquisitos juntos. A única diferença é que provavelmente não vai ser mais nessas redes sociais. Ao menos, não do mesmo jeito.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *