O que você aprende quando continua

Às vezes, parece que o jeito mais fácil de sentir alguma coisa boa é por meio de uma novidadezinha. Não é de se admirar que paire no ar o discurso de ir em busca do contato com uma nova experiência, um novo aprendizado, uma nova empresa, um novo relacionamento, uma nova viagem. O meme está pronto: “Quando foi que você fez algo pela primeira vez?”

Nessa nossa eterna caçada ao próprio rabo que é a busca pela felicidade, parece ser muito mais fácil acabar com o que está aí e começar outra coisa. É bom, traz frescor, alegria… mas passa logo.

Continuar tem seus momentos de glória. Eventualmente, as conquistas chegam. Mas, na maior parte do tempo, não é tão bonito. É sangue, suor e lágrimas. Existem mil quimeras internas que não param de surgir. E você precisa cortar as cabeças delas, uma por uma, acordar no outro dia e repetir tudo de novo.

A boa notícia é que, com isso, vem a melhor parte: os aprendizados que não podem ser transmitidos por nenhum curso. Tudo o que você entende do seu ofício, do seu projeto, da sua forma de pensar e de ver o mundo a partir da continuidade, é só seu. Pessoal e intransferível.

Desde que fiz um desafio, no qual eu meditei todos os dias por um ano, minha visão sobre disciplina e continuidade na escrita mudaram muito. Então, motivado pelo recesso de final de ano e pela colaboração da Rosana Candeloro e do Adnilson Maia (obrigado!), que me recomendaram esse tema, decidi falar dos aprendizados que tive desde que me comprometi a manter o Puxadinho, semana após semana.

Não existe continuidade

É óbvio que a continuidade é um dos aspectos mais importantes em qualquer projeto. Seja mantendo músculos ou alimentando uma newsletter, você precisa bater ponto. Ninguém duvida disso.

Mas, se parar pra pensar mesmo, continuidade nem existe. O que existe é a sensação de continuidade.

Dito isso, não faz sentido se martirizar se você adoecer ou precisar de uma pausa. O importante não é nunca falhar, mas sim, manter a percepção de que as coisas estão em movimento, vivas. Isso, obviamente, é relativo. Em uma newsletter diária, se você sumir por uma semana, talvez alguém pergunte. Mas em uma semanal, pular uma edição pode passar completamente batido. Numa newsletter mensal, se pular um ou dois meses, talvez não seja entendida como inativa. Tudo depende.

O que importa é voltar. É como desenhar uma linha tracejada. Ela é uma sequência de pequenas linhas interrompidas. Mas, de alguma forma, enxergamos uma linha só. Ou seja, basta que a sua pausa não seja longa o bastante para quebrar a ilusão e está tudo bem.

Então, aproveite suas folgas de vez em quando. Seja feliz. 😉

Interrupções sem um bom motivo causam um problemão

No processo de manter uma continuidade, o início costuma ser mais difícil. Mas depois de um tempo, você simplesmente vai. Seu corpo pede por aquilo, dá saudade. Vale pra academia, pra alimentação saudável e também para a escrita. Mas nada é tão complicado quanto voltar de uma pausa — ou recaída — depois que você já tem o hábito estabelecido.

O problema é que a mente assimila esses momentos de pausa como uma fonte de prazer. E, como você e as big techs bem sabem, nós nos atraímos pelos prazeres como a mariposa pela luz.

Essa atração causada pela pausa cria um ciclo difícil de romper. O corpo relaxa, a mente desacelera e qualquer esforço para retomar a atividade parece uma batalha contra uma força invisível — inércia, sabe? O que está parado tende a permanecer parado.

Ninguém discute que férias, recessos e folgas são importantíssimas. Mas quando as interrupções são geradas por falha na manutenção da consistência, isso gera um problemão. A questão é que o corpo mantém uma espécie de placar. Todas as vezes que você falha, com base em uma motivação ruim, isso fica registrado. Assim, se cria uma associação negativa, de que aquele hábito ou projeto é algo estressante, cansativo, chato, etc.

A boa notícia é que o que está em movimento tende a permanecer em movimento. Nós somos extremamente adaptáveis e, da mesma forma como nosso corpo se acostuma com o gostosinho do descanso e reluta para retornar, ele também se habitua de volta ao esforço. Quando tentamos retomar um hábito produtivo, a mente, que já estava condicionada a buscar recompensas mais fáceis, encontra dificuldade em recuperar a associação positiva com atividades que demandam mais energia.

É um pouco como tentar reacender uma fogueira depois da chuva: a motivação está lá, mas as condições conspiram contra. Então, primeiro, você precisa preparar o terreno de novo, limpar tudo, pegar outra madeira e reacender o fogo.

Eu estou dizendo que você nunca deva curtir um momento de preguiça e descansar? Não. Só estou dizendo pra ficar de olho.

Siga o seu interesse

Escrever não é fácil. Escrever todos os dias, é bem difícil. Escrever com frequência algo publicável beira o impossível.

Cada artista tem um método diferente para lidar com isso. No meu caso, venho seguindo a cartilha do Hayao Miyazaki e simplesmente perseguido meu interesse.

“Digamos que um projeto foi decidido e você se inspirou por algo. Um certo sentimento, uma pequena faísca de emoção — seja o que for, deve ser algo pelo que você sinta atração e que queira retratar. Não pode ser apenas algo que os outros possam achar divertido; deve ser algo que você mesmo gostaria de ver.” — Hayao Miyazaki

Assim, eu acordo não só pensando em escrita, mas também com vontade de pesquisar sobre o assunto da vez. Se estou escrevendo uma crônica, as palavras fluem num certo ritmo porque eu estou envolvido naquela observação.

Meu planejamento é extremamente solto, com frequência eu vou adiando pautas porque pensei em outra coisa melhor pra escrever numa semana específica. Claro, isso não quer dizer que o planejamento não importe, já que ter algo planejado sempre me salva nas épocas de desânimo — que volta e meia chegam.

Na dúvida, escreva para pessoas

Não é de hoje que temos que levar em consideração os algoritmos na hora de criar. Já tem uns bons 10 ou 15 anos que a distribuição do trabalho criativo tem esse intermediário, decidindo o que merece ou não chegar às pessoas. Às vezes, parece necessário e até inevitável seguir todas as regras invisíveis das redes sociais.

Ainda assim, os meus textos que tiveram mais repercussão foram os que fiz sem planejar, só escrevendo sobre o que eu queria, como eu achava que seria o melhor. Eu não tento tornar meus textos mais fáceis, não seguro conhecimento para vender nada e também não sigo os formatos que dão certo. Para todos os fins e efeitos, faço tudo errado.

Ainda assim, chega gente todos os dias. Cada texto gera novos comentários e, volta e meia, recebo alguma mensagem de alguém falando que algo que escrevi teve efeito na vida da pessoa. Pra mim, isso é lindo.

Ainda que os algoritmos tenham suas “preferências”, sempre existe um espaço para o trabalho legítimo, feito do jeito que tem que ser feito. Vale lembrar que, na outra ponta do feed tem uma pessoa. Cada like é só a representação de alguém que quis dizer “eu estou aqui”.

As fórmulas são o fim da linha

Eu acho muito curioso como tem tanta gente que parece gostar de fórmulas e formatos. É como se fosse um pensamento meio industrial de que, se acharem aquilo que movimenta os números, vão poder continuar só repetindo a receita. A promessa é manter o sucesso e tornar o trabalho mais fácil.

Todas as vezes que tentei fazer isso, deu errado pra mim. Todo texto que escrevo pensando em repetir o sucesso de outro, além de ser um martírio de fazer, nunca atinge o objetivo — e ainda traz de brinde uma baita frustração.

Admiro muito quem consegue, mas não é pra mim. Sempre que me pego repetindo um formatinho, seja por preguiça ou ganância, a escrita vem morta — ou nem vem.

É óbvio que eu não busco reinventar a roda toda vez. Isso não é possível e nem desejável. Ser criativo não é o mesmo que criar um brigadeiro de atum. Existem fórmulas e formatos consagrados por um motivo. Porém, é essencial trazer a própria voz, um jeito diferente, uma certa expressão que não esteja atrelada ao desejo de seguir a regra autoimposta. O importante é fazer com que a escrita continue viva, num lugar precioso de carinho, diversão, interesse e atração.

A fórmula pela fórmula, pra mim, costuma ser o fim da linha. É quando volto a brincar que a graça aparece.

O sucesso é poder continuar

Com o tempo e as adversidades indo e vindo, tenho pensado muito no que é ter sucesso. Afinal, por qual motivo eu faço o que faço? Qual é a minha linha de chegada?

E, sinceramente, essa é uma pergunta que não me parece adequada. Eu sei que preciso de certas condições para me manter. Ter um carro, um lugar para morar, comida, boas experiências, visitar outros países, ficar em belos hotéis… algumas dessas coisas são condições básicas, outras são pré-requisito, mas pra mim não são finalidade. Elas não são o motivo pelo qual eu faço o que faço.

O principal motivo para continuar é que a vida sem a expressão artística é, no meu caso, uma vida muito mais triste. Eu percebo claramente como vou murchando e como me sinto alienígena nos espaços onde isso não é aceito. Nos níveis mais extremos, sou consumido por uma apatia que beira a depressão.

Hoje, não considero a capacidade de escrever como algo garantido. Uma dor de cabeça, por exemplo, estraga meu dia de trabalho. Qualquer abalo financeiro que me impeça de pagar os boletos, já me tira essa possibilidade — afinal, vou ter que procurar algo que me sustente.

Sabendo disso, hoje, o sucesso é poder continuar. Ter os meios e o suporte que permitam que eu sente todos os dias para colocar palavras no mundo. Não importa o quanto eu ganhe, ou o que eu tenha, desde que seja o suficiente para que as palavras possam continuar fluindo por mim.

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